O MAIOR AMOR É O QUE AMA A ROTINA E A MONOTONIA DO COMUM ESTAR

ESTAR

Acordam junto
há mais de vinte anos,
às vezes já com os olhares tortos
ou alguma birra segurada
___ ao canto da boca,

porque o maldito
par de chinelas não está
___ ao lado da cama,

ou porque ele
levantou de pau duro
e ela não achou que era hora
para darem uma
___ foda;

mas, geralmente
se dão bem, até porque estão juntos
desde a adolescência,
e a tolerância foi aprendida
entre a indelével rotina
___ das coisas.

Levantam-se a flutuarem
pela casa: banheiro, sala, cozinha;
sentam-se à mesa, servem-se o café
com uma colher de açúcar
___ e alguns lotes de creme;

o sol adentra
suavemente pela janela
– os leitores devem estar imaginando
a esplêndida cena, como que se sentissem ali,
nesse amor de longa estrada,
___ nesta segura rotina –;

ele pensa: “tudo poderia
ter sido tão diferente”,
e ela pensa: “tudo poderia
___ter sido tão diferente”.

E saem ao trabalho,
com o habitual beijo de despedida,
sem nunca deixarem de reparar,
____ pelos caminhos,

os vôos dos tentilhões azuis
e das borboletas flutuantes que, às vezes,
fazem-nos imaginar, tão insipidamente,
que tudo poderia ter sido
___ diferente.